terça-feira, 13 de dezembro de 2011

GIOVANNI GALLO E O MUSEU DO MARAJÓ: O documentário de uma historia invisível.








































   GIOVANNI GALLO E O MUSEU DO MARAJÓ:
O documentário de uma historia invisível.

Nascido em 27 de abril de 1927, em pleno VII ano da era fascista de Benito Mussolini, Gallo como costumava dizer, se considerava um filho do fascismo, mas não por  concordar com as idéias desse projeto de governo. Mas sim, pelo fato de aos seis anos de idade, sua mãe o ter matriculado na primeira série do primário no colégio Pagella, e assim, como era de costume na época, transformando de forma involuntária o balilla Giovanni Gallo portador da carteira do partido fascista de Nº 1.539.889, mais um membro seguidor da ideologia fascista do Dulce Benito Mussolini.
            De infância difícil e condição de vida muito precária, Gallo e sua família sofriam com a escassez de alimentos, devido à guerra em que a Itália estava desenvolvendo sobre o comando de Mussolini, onde os gêneros alimentícios como, batata e trigo, estavam reservados a manutenção do exercito e, é claro, aos mais ricos. Restando assim, apenas carne de cabeça do boi, que era mais barata, e uma espécie de pão com manteiga sem sal, alimentação básica da maioria das famílias pobres da Itália do começo do século XX.
            Essa vida fez com que ainda muito cedo, o pequeno Giovanni assumisse grandes responsabilidade na família, sendo responsável pela casa e por seus irmãos mais novos na ausência dos pais. Preparava seus irmãos e levava-os para o jardim de infância, tarefa que exigia extrema habilidade e preparo físico, para controlar seus irmãos no caminho da escola. Alem disso, fazia as compras e preparava o almoço de sua família. Atividades a primeira vista simples, mas que estavam sendo desenvolvidas por uma criança de 10 anos de idade, que já mostrava maturidade exigida pela guerra sofrida.
            Assim, o pequeno Galinho tinha que se desdobrar entre os afazeres da vida de um “pai” de família com os cuidados com seus irmãos mais novos, as obrigações da escola, além de superar as dificuldades que a guerra provocava com a pouca disponibilidade de alimentos, fato que se agravava ainda mais, devido à situação financeira precária da família. Mas mesmo com todos esses obstáculos em seu caminho, esse pequeno italiano de origem pobre, conseguiu superar as dificuldades de uma infância entre guerras, e as consequências que um conflito como sofrido por ele acaba trazendo. Sofrimentos como a morte de seu pai em 1943, em um bombardeio militar Américo. Mas outras dificuldades ainda se apresentariam, que ele assim com as já mencionadas, superaria.

A VIDA RELIGIOSA    
Aos onze anos de idade entra no Piccolo seminário di Giaveno, depois que um vigário da sua igreja pergunta se ele queria entrar para a vida religiosa se tornando padre. A resposta positiva foi imediata de forma espontânea, sem pressão de familiares ou da sociedade. Afinal ele não possuía muitas opções de escolha a seguir, a não ser a escola e a igreja. Mas só no ultimo ano do ginásio aos 16 anos, que o jovem italiano, ingressa na Companhia de Jesus. O reitor do ginásio uma fã dos jesuítas, entregou sobre sigilo, um livro encapado com o seguinte titulo: “Si vis perfectus esse: Se você quiser ser perfeito’... entre na Companhia de Jesus”. A fama dos padres jesuítas como os mais inteligentes do mundo era bastante conhecida, o que despertou o entusiasmo do adolescente Giovanni em se tornar um eclesiástico classe A. Então, preparou-se muito para a admissão, o que resultou com a segunda colocação geral, e assim o passaporte para a Companhia de Jesus e o Liceu clássico em Cueno (Itália) em 18 de setembro de 1943.
Já no noviciado, recebe uma educação muito rigorosa repleta de proibições e regras, fato muito condenado e contestado apenas em sua consciência, por Gallo. Pois, o silencio fazia parte da vida no seminário, muito pouco se falava, era uma lei a ser seguida. Nessa educação severa, até um simples banho era realizado de forma vigiada. “Dio ti vede! Deus está te olhando!”
Apesar de Giovanni Gallo considerar a sua “formação além de ridícula e absurda, [que] beirava ou talvez mergulhasse na morbidez.” A obediência sempre se fez presente em sua vida religiosa. Ele nunca desobedecia ou questionava as regras, leis e ordens da educação na Companhia de Jesus e do Liceu. Sempre seguia todos os ensinamentos e colocava-0s em prática de acordo como lhe foi ensinado.

Na Villa San Paolo periferia de Turim (Milão, Itália), cursou dois anos de Filosofia na faculdade de Filosofia em Gallarate. Onde como diversão e para ocupar seu tempo, desenvolvia atividades como cuidar da horta das vacas, atividade que segundo ele, em sua autobiografia realizava sozinho. Cursou também devido a sua escolha profissional a faculdade de Teologia em Chieri (Turim, Itália), conquistando com o fim de seus estudos a ordenação sacerdotal.
A facilidade para aprender novas línguas, lhe proporcionou a fama de grande linguista, levando o seu superior, o provincial Padre Emilio, a destiná-lo aos estudos em uma faculdade de línguas – Cá Foscare de Veneza ou Instituto Orien-tale de Nápoles. Mas ele ainda teria uma surpresa, feliz por seu destino decidido, esperava pelo dia da viagem para estudar uma Nova língua, quando recebe um envelope lacrado das mãos do provincial que havia, anteriormente, o destinado aos estudos das línguas. Abriu o envelope pensando se tratar do nome do seu destino para alguma faculdade de línguas, mas teve uma surpresa, é destinado para uma escola na cidade de Lecce. Nessa cidade, o colégio de Argento, recebia filhos de ricos latifundiários, onde padre Gallo ensinaria religião. O destino inesperado, mudando todos os seus planos, não mudou sua obediência característica, ele não exigiu nenhuma explicação e seguiu seu rumo imprevisto e não esperado.
Mas depois da teologia, antes de entrar de vez nas atividades paroquiais, os padres jesuítas passavam por uma ultima provação, ou melhor, um estágio, que no caso dele foi seguir para Gandia em Valência, Espanha. Aqui pode colocar seu espanhol em prática, em meio a vários missionários provenientes de inúmeras nacionalidades.
Ainda na Espanha pesquisou sobre o curso de Sociologia que desejava cursar, deixando a escolha do seu destino nas mãos do padre do padre Costa, que o matriculou no Institut Catholique Paris. Mas uma vez entusiasmado com seu destino, não se importou com a substituição do padre provincial, pois seu destino já estava certo. Mas, novamente o seu destino não seguiria os rumos desejados. “Em lugar de Paris, o senhor vai a ilha de Sardenha”, palavras ditas, pelo provincial padre Giovanni Colli. Modificando mais uma vez os planos desse missionário frustrado.
Em Sardenha sua primeira experiência de trabalho aos 32 anos, a sua rotina era bastante repleta de compromissos. Entre confissões, missas, pregações, visitas aos doentes, o agora padre Giovanni Gallo, parava apenas na hora do almoço. Após uma soneca voltava novamente para sua rotina, seguindo para outras comunidades. Na Sardenha adquiriu uma grande experiência devido ao seu dia- dia intenso, com o desenvolvimento das suas atividades pastorais e os serviços sociais que acabava acumulando.
Da Sardenha foi transferido Para suíça (1962), com a missão de “salvar”, os irmãos italianos emigrados, da ameaça que segundo a igreja católica era representada por dois “inimigos mortais”: Os Protestantes e os Comunistas que cresciam cada vez mais na região. Já na Basiléia, na Suíça, em atividade, foi responsável pela fundação da missão dos emigrados italianos no Biserck, sendo membro do conselho nacional dos missionários na Suíça. Criou também um jardim de infância, para atender os filhos de italianos que trabalhavam boa parte do dia e não tinham com quem deixar os seus filhos. Buscando oferecer uma assistência a esses italianos que em busca de melhores condições de vida, migravam para a Suíça em busca de trabalho.
Após cinco anos de atividade na Suíça ajudando seus patriotas e muitos suíços também. O padre Giovanni Gallo recebeu do presidente da Itália o título di Cavaliere della Stella Solidarietá Italiana (1967), título conquistado pela luta em favor dos italianos na Suíça. Luta essa que teria ido além de um simples conforto e apoio religioso, na Suíça acabou desenvolvendo obras que facilitavam a vida de muitos italianos e suíços também, deixando a esses, um bom suporte social e econômico.
Padre Gallo sentiu então que sua missão em terras suíças já havia sido cumprida, apesar de saber que havia muito a ser feito, propiciou uma infra-estrutura social e econômica para muitos italianos e suíços. Partindo assim, para uma nova missão em
Terras desconhecidas.
BRASIL: O DESTINO FINAL
Após oito anos de trabalho na Suíça, e da recusa de se tornar um superior geral da Escandinávia, que significava ser o responsável das missões italianas na Suécia Noruega e Dinamarca, por não gostar da idéia de trabalhar com muita burocracia, decisão talvez tomada devido as ações que presenciou de alguns de seus superiores, que se desvirtuaram em contato com o poder e o dinheiro que o cargo de um  provincial possuía. Fatores que fizeram o padre Giovanni Gallo, se oferecer para atuar na América latina, em qualquer país de língua espanhola, pois, falava muito bem o castelhano, e assim teria facilidade na comunicação. Mas lhe foi destinado o Brasil, não uma escolha pessoal, como ele mesmo dizia, mas uma escolha proveniente de sua obediência jesuíta.
Embarcou no navio cargueiro Henrique Lage, seguindo em direção a seu novo destino, deixando para traz, segundo ele, a posição de padre classe A, e as conquistas merecidas com o trabalho desenvolvido na Suíça, para se aventurar em uma terra totalmente desconhecida, o Brasil.
Desembarcou em 1970 em Salvador, Bahia, que assim como todo o Brasil, estava sobre uma ditadura militar, fato que contribuiu para as três prisões do recém chegado. Entusiasmado com as paisagens do país, em viagens desenvolvidas para conhecer as obras religiosas desenvolvidas pela igreja, tira inúmeras fotos de tudo que lhe despertava o interesse, mais acaba sendo confundido com um espião do comunismo, sofrendo com isso revistas e interrogatório intermináveis nas cadeias, cada vez que a sua figura estranha projetava a sua câmera para um cenário, o que lhe dava características em tempos de ditadura, um ar de espião estrangeiro.
O interessante é que essa sua paixão pela fotografia, acabou lhe rendendo mais tarde inúmeros prêmios fotográficos como: O 2º no concurso fotográfico da CECTET e Y.Yamada: Retrato Pará (1980); o 4º premio no concurso fotográfico da Universidade do Pará, “Preserve a memória de sua cidade” (1981); e o 5º prêmio de Menção Honrosa, do concurso nacional de fotografia, “Aleitamento Materno”, de Porto Alegre (1982). Além de exposição como a ocorrida no Teatro da Paz como o título “O museu do Marajó”, em 1982. Exposição essa que mostrou o resultado de seu trabalho, após anos registrando as mais diversas situações encontradas na Ilha de Marajó.
Viajando por todo o Brasil para conhecer as obras da companhia e posteriormente escolher seu destino de atuação. Tem proposto pelo padre Tarcísio, o Maranhão em conversa:
‘’-Gallo, eu tenho um lugar muito bom, feito na medida para você trabalhar. Porém não o mando lá, porque tenho medo. ”[P.Tarcísio] Que lugar é esse? Perguntei curioso. [P. Gallo] - É o Marajó, você faria muito bem, mais o bispo de lá, já me queimou muitos padres. Tenho medo: se você for lá, ele o queime. Acho melhor você ir ao Maranhão vai ser vigário no bairro da floresta em São Luís”. [P. Tarcísio].
Então, Giovanni Gallo seguiu para o Maranhão, para atuar como vigário no bairro da floresta em São Luís. Ao chegar ao bairro, mais especificamente, na Rua Tomé de Souza, deparou-se com um lugar sem iluminação, de fornecimento de água precária, com esgoto a céu aberto. Não podendo deixar seu rebanho para ficar na mordomia, recusa a oferta de ficar na igreja de Nossa Senhora dos Remédios, no bairro nobre da cidade. Decide morar em uma casinha na própria Rua Tomé de Sousa, para ficar mais perto do seu povo e da igreja de Santo Expedito, onde atuaria como vigário.
Em contato direto com a comunidade, além de atuar nas obras religiosas, também acabava sendo uma espécie de amenizador de brigas chegando a intervir por várias vezes em inúmeras delas. Atuava também como motorista, transportando feridos, doentes e mulheres grávidas no momento de ter os seus filhos para o hospital. Como sempre, Padre Gallo ultrapassa as suas obrigações religiosas, e introduzindo nas comunidades onde atuava, desenvolvia funções fora de seu programa religioso.
Em uma igreja onde as portas serviam como trave para as crianças jogarem futebol, e as paredes como tabela de preço para o corte de cabelo. Decidiu mudar essa realidade, iniciando a reforma da mesma, contando com a ajuda da população, que limparam, pintaram e fizeram melhorias na igreja, a tempo de a inauguração se realizar perto da grande festa do padroeiro do bairro.
Embalado pelas obras de limpeza da igreja, transformaram barracões e salões em capelas e centros comunitários, onde além de servirem de locais para cerimônias religiosas, seriam oferecidos cursos profissionalizantes para a população desse bairro, atuando em obras assistencialistas com o objetivo de mudar a realidade social da comunidade.
Sem dúvida, essa foi uma das atuações mais importantes no estilo do P. Giovanni Gallo de ação integrada. Mas após um ano e meio de forte atuação, o que contribuiu para que quase o religioso virasse nome de rua, a igreja através do provincial Padre Botturi, mais uma vez determina a sua transferência, desta vez para o Marajó.

MARAJÓ, DO PARAÍSO AO INFERNO
Nessa terra que segundo Giovanni Gallo era “o paraíso para os fotógrafos e o inferno para o material fotográfico”, ele desembarca em fevereiro de 1973, na vila de Jenipapo no município de Santa Cruz do Ararí. A vila de Jenipapo era um antigo acampamento, que servia de base para os pescadores em época de pesca. Nesse local teve uma visão chocante, para alguém acostumado com as atividades na Suíça, e que até mesmo para o vivido no Maranhão, era uma realidade adversa.
Estava em uma cidade perdida no interior da ilha, sobre as águas, formada por palafitas, sem saneamento básico, muito menos fornecimento de água potável ou energia elétrica, sem telefone e de alimentação precária. Com o choque inicial ele sabia que teria muito trabalho a fazer neste local esquecido por todas as autoridades governamentais, mas com sua experiência decidiu seguir em frente. Aliás, essa tinha sido sua escolha, pois poderia ter aceitado os frutos de seu trabalho na Suíça. Mas tinha certeza que sua atuação aqui mudaria muitos aspectos na sociedade local.
“A minha chegada a Jenipapo, uma vila de palafitas perdida no interior do Marajó, foi bastante chocante [...] me encontrava no fim do mundo, sem água, sem luz, sem telefone, com uma comida precária, com a previsão de um trabalho difícil. Confortava-me o fato de ter escolhido uma missão que, apesar de difícil, sem dúvida, guardaria para mim as satisfações como padre e como homem.” [Giovanni Gallo, O homem que implodiu]
“A vila de Jenipapo nasceu num lugar errado, num buraco. Nasceu para ser um acampamento de pesca, uma base provisória durante o verão quando a terra está estorricada [...] Durante grande parte do ano, todas as casas ficam isoladas pelas águas: não por acaso Jenipapo é um grande conglomerado de palafitas que eu carinhosamente chamava de pequena Veneza”. [Giovanni Gallo, O homem que implodiu]
COOPERATIVA DE PESCA
Ao chegar à vila de Jenipapo em 1973, padre Giovanni Gallo recebeu da prelazia de Ponta de Pedras, na figura do bispo Dom Ângelo Maria Rivato, a missão de criar no município de Santa Cruz do Ararí e Jenipapo, uma cooperativa de pesca. Algo que já estava seno posto em prática no município de Ponta de Pedras.
De posse dessa tarefa, o padre recém chegado se deparou com alguns problemas, não entendia nada sobre pesca e os pescadores só tinham a idéia que com uma cooperativa chegaria muito dinheiro para eles. Aqui estava à problemática, a ignorância tanto de um lado quanto de outro sobre o tema: cooperativa.
Desde o começo fiquei à espreita, para captar todas as mensagens, mesmo as mais insignificantes, uma palavra de gíria, uma história antiga, um jeito de ser, sobretudo aquelas coisas que não valem a pena contar.”[ Giovanni Gallo, O homem que implodiu]
Mas padre Gallo não mediu esforços para conhecer mais sobre o assunto. Partiu com alguns pescadores, para passar alguns dias nos rios da região praticando a pesa co mato. Nessa experiência anotou tudo o que observava, buscando assim, compreender um pouco mais sobre a temática.
Para que os pescadores pudessem aperfeiçoar a sua profissão, conseguiu que em Vigia aprendessem técnicas de como pescar no mar. Pois, os pescadores do Marajó, realizavam em sua maioria uma pesca artesanal, conhecida como pesca do mato. Onde nos rios da região, principalmente, quando as águas estão baixas, os peixes ficam mais fácil de serem capturados. E devido a essa falta de experiência, tinham medo de realizar a pesca no mar. Mas perceberam que essa atividade era muito mais fácil e lucrativa para eles.
Mas essas experiências não contribuíram muito para a construção de uma cooperativa. Como Padre Giovanni Gallo mesmo falou: “A cooperativa nem nasceu, abortou.” Seu objetivo era que essa organização, possibilitasse através políticas de conscientização e aperfeiçoamento dos profissionais da pesca, o sustento e subsistência dessas famílias durante o ano todo. Buscando acabar com as explorações das geleiras, que pagavam muito pouco pelo trabalho dos pescadores da vila de Jenipapo e Santa Cruz do Ararí.
Mas a falta de recursos financeiros e a deficiência no conhecimento sobre o tema tornou muito difícil a concretização da missão recebida por Padre Giovanni Gallo.
Com o dinheiro que recebeu da prelazia de Ponta de Pedras, para iniciar o projeto cooperativa de pesca, decidiu em conversa com a então prefeita de Santa Cruz do Ararí, Gessy Pamplona, atender uma necessidade emergencial da cidade. 
[ trecho da revista pzz]...



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